Frágil como as crianças, forte como Deus

A obra que o compositor estónio Arvo Pärt dedicou aos pastorinhos de Fátima, “Drei Hirtenkinder aus Fátima”, teve, no passado dia 20 de fevereiro, a sua estreia nacional na sé patriarcal de Lisboa, com execução do Coro Anonymus, dirigido por Rui Paulo Teixeira.

Entre o público que esgotou os lugares sentados da catedral encontrava-se o núncio apostólico, representante do papa Francisco em Portugal, o arcebispo italiano D. Rino Passigato, o bispo de Leiria-Fátima, D. António Marto, e D. Joaquim Mendes, um dos bispos auxiliares de Lisboa.

Para D. António Marto, «a boa notícia da mensagem de Fátima não se diz só por palavras; escreve-se também na história da vida dos protagonistas, os pastorinhos, quer como destinatários a quem foi confiada a mensagem, quer como aqueles que lhe responderam em primeiro lugar e a viveram».

«São histórias de gente humilde, pobre, pequena, que face aos grandes e poderosos do mundo intervêm com outra força do alto que habita neles, mostrando que a misericórdia de Deus é maior que o poder da guerra e do inferno que os homens constroem», assinalou o prelado em declarações ao Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura.

A vivência de Francisco, Jacinta (beatificados pelo papa S. João Paulo II no ano 2000, em Fátima) e Lúcia «diz-se em várias linguagens: na história, poesia, reflexão teológica, iconografia, e também na música, que toca o coração de todos na expressão do mistério do amor divino e é expressão da beleza divina na vida do mundo», acrescentou.

O reitor do Santuário de Fátima, padre Carlos Cabecinhas, realçou que «Arvo Pärt é um compositor reconhecido internacionalmente, com toda uma dimensão espiritual na sua criação musical particularmente significativa».

«Alegra-nos que ele tenha olhado desta forma para Fátima, isto é, propondo-nos o exemplo das crianças videntes, os três pastorinhos, e que aos protagonistas tenha dedicado uma obra que nos ajuda a entrar no espírito da mensagem», salientou.

Entre os presentes estava o compositor Eurico Carrapatoso, distinguido em 2011 pela Igreja católica em Portugal com o Prémio Árvore da Vida-Padre Manuel Antunes, de quem se incluía no concerto desta sexta-feira uma das suas obras, “Caligaverunt oculi mei”.

«Estou como muita expectativa de conhecer esta obra de Arvo Pärt, compositor referencial que projeta a sua música no objetivo incorpóreo, que é um processo que me interessa muito trabalhar, compreender e tentar alcançar, na medida das minhas possibilidades», afirmou.

Referindo-se ao concerto evocativo das crianças a quem a Virgem Maria apareceu entre maio e outubro de 1917 na Cova da Iria e imediações, o compositor Alfredo Teixeira destacou que «a mais “frágil” das obras, a menor em duração, porventura a mais simples quanto ao material musical», a de Arvo Pärt, constitui «o lugar culminante» da «viagem musical» proporcionada na sé de Lisboa.

“Drei Hirtenkinder aus Fátima”, estreado mundialmente a 27 de agosto de 2014, em Basileia, pelo agrupamento vocal “Vox Clamantis”, sinaliza a identidade cristã «que apela a uma visão do mundo na perspetiva dos mais frágeis… lugar onde o mais ingénuo é reconhecido como o mais sábio, o excluído toma os primeiros lugares, o sem voz pode ser escutado», escreveu Alfredo Teixeira nas notas de programa do concerto.

«Arvo Pärt escolheu um versículo do Salmo 8 para esta sua meditação sobre a memória dos “Três pastorinhos de Fátima”. Mas na versão dele que nos dá o Evangelho de Mateus (21, 16). No contexto do conflito de Jesus com a atividade mercantil que se desenvolvia na órbita do Templo de Jerusalém, as crianças gritam “Hossana ao Filho de David”, perante a indignação dos sumos-sacerdotes e doutores da Lei. “Da boca das crianças e meninos de peito tiraste para Ti um louvor…”, um louvo que confunde, em contramão, pois é na voz das crianças que se desvela o reconhecimento messiânico (de novo o paradoxo evangélico de uma verdade escondida aos grandes e aos sábios, mas reconhecida pelos pequenos», observa.

Nesta «miniatura coral» para coro misto “a cappella” as crianças não falam «línguas rituais e eclesiásticas», mas um idioma vernáculo, o alemão, como «uma língua “materna”.

«Encontramos alguns traços do idioma musical de Arvo Pärt: as estruturas de continuidade a partir de pedais ou de “istinati” (qual “axis mundi”); as permutações num campo harmónico estável (com a transparência própria da linguagem mística); a simplicidade flutuante da cantilena (como um gesto vocal que se enraíza nos sulcos de uma tradição). No final, a obra extingue-se, sem aparato ou convenções que forcem o aplauso», explica Alfredo Teixeira.

O concerto voltará a ser apresentado, embora com um ligeiro ajuste no andamento, no dia 8 de março, na Igreja recentemente dedicada aos Beatos Francisco e Jacinta Marto, nos Marrazes, Diocese de Leiria-Fátima.

Pastoral da Cultura