No Convivium de Santo Agostinho, por debaixo da Basílica da Santíssima Trindade, mora a guerra e a paz, o desespero e a esperança, a Senhora que apareceu na Cova da Iria e o Cristo que “apareceu” nas trincheiras da Flandres.

Num percurso de sombras e luzes, de ruídos e silêncios, de dores e promessas, a oração do Rosário, um dos centros da Mensagem de Fátima, apresenta-se como caminho e resposta para libertar a humanidade de todos os males.

Esta é uma das formas que o Santuário privilegia para fazer passar a mensagem de cada ano pastoral. Porque, embora não sendo o “específico” dos santuários, “estes têm sido e continuam a ser centros de cultura de inegável importância”, lembrou o reitor, padre Carlos Cabecinhas, na abertura da exposição “Neste vale de lágrimas”, no passado dia 29 de novembro. E agradeceu às várias pessoas e instituições que trabalharam nesta mostra e contribuíram pelo empréstimo para que ali se reunisse um vasto e valioso espólio museológico, histórico e artístico.

Marco Daniel Duarte, comissário da exposição e diretor do Serviço de Estudos e Difusão do Santuário, foi o cicerone da primeira visita, conduzindo um grupo de três a quatro centenas de pessoas pela leitura iconográfica e documental da Aparição de agosto de 1917, do contexto da I Grande Guerra, de cujo início se assinala este ano o centenário, e dos conflitos internos que marcavam o País naqueles tempos, tal como da via para a paz que a Senhora do Rosário veio oferecer ao mundo ferido.

Conduzidos pela Salve Rainha

As palavras da Salve Rainha foram o fio condutor para esta mostra. Num primeiro núcleo – “E depois deste desterro” – a história atribulada da quarta aparição de Nossa Senhora em Fátima, no dia 19, nos Valinhos, porque ao dia 13 os Pastorinhos estavam “em viagem ou na prisão”, levados da Cova da Iria para Ourém, gorando assim as expectativas dos milhares de pessoas que ali se preparavam para testemunhar a visão sobrenatural. É todo esse cenário que se recria, a acompanhar o relato dos acontecimentos desses dias.

As atribulações vividas pelos Videntes servem de “metáfora”, explicou Marco Daniel, para um segundo núcleo – “gemendo e chorando” –, em que se revelam “os lugares do conflito ao tempo das Aparições”. Num primeiro quadro, os horrores da I Grande Guerra, onde aparece como “símbolo maior” a imagem do “Cristo das Trincheiras”, mutilado tal como foi encontrado pelos soldados portugueses em pleno campo de Batalha, na Flandres. Cedido temporariamente pela Liga dos Combatentes, é a primeira vez que sai da Sala do Capítulo do Mosteiro da Batalha, junto do túmulo do Soldado Desconhecido, onde foi entronizado em 1958, “depois de passar, precisamente, pelo Santuário de Fátima”, apontou o comissário da exposição. Surge aqui sobre uma parede vermelha onde se inscrevem os nomes dos soldados portugueses mortos na guerra e ladeado por muitos outros objetos, documentos e obras de arte que remetem para o sofrimento provocado por esse “massacre inútil” – palavras do Papa de então, Bento XV. Mas também em Portugal se vivia em “convulsão”, como mostra o segundo quadro desta parte, remetendo para o conflito entre a República e a religião. A Capelinha das Aparições dinamitada é uma das imagens mais fortes desse contexto.

“Rogai por nós, Santa Mãe de Deus” – de novo, palavras da Salve Rainha ilustram o último núcleo, em que se apresenta a “oração do Rosário como caminho para a paz”, tal como pedido por Nossa Senhora. Os terços dos Videntes, dos vários Papas ou dos peregrinos anónimos, a meditação dos mistérios do Rosário, relíquias como o “porta-paz” do Convento do Espinheiro marcam este final expositivo. “Não basta ficar com olhos cheios de lágrimas, gemendo e chorando, mas precisamos de usar a pedagogia da mensagem de Fátima como caminho para a paz”, conclui Marco Daniel Duarte.

Da guerra à paz

No final, usou da palavra o general Chito Rodrigues, presidente da Liga dos Combatentes, sublinhando a importância da parceria com o Santuário de Fátima para este “momento excecional”, um dos principais no contexto das comemorações de memória no centenário da I Guerra Mundial, “o encontro de Nossa Senhora de Fátima com o Cristo das Trincheiras”. Até por serem, provavelmente, as duas principais referências para as orações e manifestações de fé dos soldados portugueses, em diversos campos de batalha ao longo da história, “em momentos de extrema dificuldade no apelo à vida e à paz”.

Também o Bispo de Leiria-Fátima considerou que “neste Cristo das Trincheiras, ferido e mutilado, vemos o homem das dores, símbolo do sofrimento de toda a humanidade, também nos nossos dias”, mas de cujo “lado aberto deixa correr o sangue do seu amor, deixando a mensagem de que o amor é mais forte do que o ódio e de que é possível construir a paz”. Felicitando a “excelência formal e substancial desta exposição”, D. António Marto deixou o voto de que todos os peregrinos possam experimentar através dela “um momento forte da sua peregrinação a Fátima, uma peregrinação interior de onde recebam o impulso para viverem e testemunharem a bem-aventurança da paz”.

Fonte | Luís Miguel Ferraz | Presente Leiria-Fátima
Pastoral da Cultura